segunda-feira, 24 de março de 2008

O Alicerce do Mundo

O engenheiro olhou perplexo para a estrutura. Sucata e imprestável seriam eufemismo para aquilo. A ferrugem mordia cada pedaço da estrutura como insetos vorazes. Os cabos, desencapados ou mesmo cortados. O resfriador servia mais para alimentar a poeira do que para manter a temperatura. Os chips e estruturas eletrônicas, todos mal conectados ou então danificados em algum lugar de sua estrutura.

E no entanto, funcionava.

Aos solavancos, era verdade. Mas funcionava.
O engenheiro olhou com pena. Tal máquina não deveria ser forçada a funcionar mais do que isso. Olhou aflito para o administrador e por fim disse:
-Chefia, acho melhor o senhor desmontar isso e fazer melhor uso das peças.
-Lamento, mas não será possível.

Silêncio.

-Senhor, eu estudei engenharia por mais de vinte anos na minha vida. Não sei como isso aí funciona, mas sei que as peças podem ser consertadas e utilizadas melhor em outra aparelhagem. Acredite, o senhor conseguirá melhor desempenho.
-Essa máquina caro engenheiro, não opera pela sua matemática binária.
-Como?
-Pediste apenas para olhá-la, eu concedi seu desejo.

O engenheiro olhou novamente. Não fazia o menor sentido. Se ele desconectasse o cabo de força, provavelmente não faria muita diferença, considerando o estado em que se encontrava o aparelho. Aliás, seria até mais prudente, uma corrente elétrica mal canalizada ali poderia arriscar uma explosão. Mas então como? Tentou forçar a memória para suas aulas de mecânica e física elétrica. Definitivamente impossível. O cabo de força estava cortado.

-Mas pra que diabos serve essa máquina?
-Essa máquina? Tem uma função muito bonita caro engenheiro. Ela é responsável pela vida.

Essa era demais. Uma máquina, responsável pela vida? De certo o sujeito enlouqueceu.

-Acho que não entendi senhor.
-Eu também não! Ninguém entende como ela funciona, só sabemos pra que ela funciona. Aliás, essa é a grande maravilha do mundo: nunca saberemos o seu total funcionamento, mas podemos saber por quê ele funciona.
-Eu posso analisar o funcionamento dela em um instante. Basta fazer as cone...
-Não, não pode.
-Não?
-Apesar de ser uma máquina, essa aí não obedece leis. Ela ri com total desdém de todas as leis da física que aprendeste em tua universidade. Ri de idiotas pré-conceitos construídos pela sociedade. Ela simplesmente faz o que quer de maneira que só ela entenda.
-Quer dizer que não posso prever seu funcionamento, o que vai fazer?
-Exatamente. Entretanto, ela sempre pede tua permissão.
-Permissão? Pra quê?
-Para atuar em ti.
-Em mim?
-Exatamente.
-E como exatamente ela opera em mim?

O engenheiro olhava cada vez mais admirado. Dessa vez a estrutura não parecia tão velha. As ferrugens pareciam ter sumido em quase 100%. Ela tinha um aspecto magnífico posta contra o sol. Olhou novamente o interior. Os cabos todos funcionando e conectados. Mas ainda sim...não fazia sentido seu funcionamento. O cabo de força não estava conectado à nenhuma tomada. Aliás, ainda não parecia circular uma corrente elétrica por ali.

-A máquina fez isso?
-Fez o quê?
-Se consertou, oras.
-Se consertou? Ela nunca esteve quebrada.
-Mas há apenas um insta...
-Pra você ela esteve quebrada. Para outros, nunca esteve. Para alguns, sempre estará. E é uma pena, pois ela é tão bela.
-Acho que entendo. Mas ainda sim, como ela funciona? Não existe energia por aqui.
-Claro que existe. A energia mais poderosa do mundo.
-Não vejo nenhuma tomada.
-Essa energia não necessita de tomadas, assim como o amante não precisa de leis.
-Está dizen...
-O que eu sempre estou tentando dizer meu caro, é que não adianta o quanto tente entender essa máquina, ela jamais será entendida. O que pode ser entendido é seu efeito.

O engenheiro parou. Subitamente lembrou de suas paixões pela ciência. Lembrou-se que há muito tempo sua preocupação não era saber tudo. Pois a graça era justamente saber que por mais que se saiba, sempre há algo para saber. Se um dia soubessemos de tudo, que reison d'être (razão de existir) teriamos para viver? Lembrou-se que uma vez um professor disse: "O maior pecado que pode cometer um cientista é presumir que algo é perfeito".

Mas ainda sim...

-Ainda queria saber como funciona.
-Já foi à China engenheiro?
Terminou o administrador sorrindo.