terça-feira, 30 de setembro de 2008

Sapos

Por nove malditos anos eu tentei concluir aquela estátua, e por nove malditos anos me falta aquele toque para que ela seja concluída.
Que toque? Eu é que pergunto! Qual era o toque de Michelangelo e sua capela? O toque de Dante e sua Divina Comédia? Qual é a maldita mão que tocou as Sete Faces de Drummond? As pessoas dizem que qualquer um pode ser o que quiser no mundo de novo. Discurso ridiculamente neo-liberal. Se a vida funcionasse assim teríamos Einsteins em cada praça para entreterimento de vários Da Vinci na platéia.
A estátua...fi-lá com mármore da Grécia. Suas formas sinuosas e duras tentam retratar um memento de minha memória. Cada povo tem seus monumentos, que nada mais são que símbolos. Dizem que os símbolos sozinhos não são nada, todo seu poder emana do povo. O monumento nada mais é que a forma plasmada de um imenso orgulho ou vergonha. Todos temos nossos monumentos escondidos em nossas catedrais escuras e empoeiradas da alma.
Ao olhar pela minha janela e encontrar o cemitério ao por do sol, nada mais me vem a cabeça, exceto o ódio e o rancor de nove anos atrás. Sim, ainda vivo depois de nove anos. Ainda sinto nitidamente os malditos girinos entrando em meu corpo, a ardência insuportável do suco gástrico em minha epiderme.
Qual é o sentimento da morte? Digo-lhe que é uma oportunidade que você terá apenas uma vez na vida. Uma experiência um tanto mortificante.
Qualquer pessoa pode escrever um texto. Qualquer pessoa pode esculpir uma estátua. Porém, não é qualquer pessoa que pode dar vida a um texto, ou dar vida à arte. Deus levou sete dias para concluir a sua arte. Eu levo mais de nove anos. Deus é pai de uma raça que vive a lhe afrontar todos os dias. Eu sou pai de uma criação muda e compreensiva. Qual de nós é mais poderoso?
Pego novamente meu cinzel e meu martelo. Enquanto martelo a carne do homem ouço seus gritos, tão belos quanto uma sinfônia de Bethoveen, penetrando docemente os meus ouvidos. Aquilo me acalma, mas tão logo me acalma me lembro de todas aquelas vezes na minha infância. Vezes em que ele conspirou para me deixar sozinho. Vezes em que ele riu, aquela risada diabólica, por me ver desamparado, inseguro. Sinto a raiva me subir como um veneno, tomando conta de cada ventrículo e aurícula de meu coração. Sinto este dar um soco e este veneno se espalhando pela artéria aorta e por todas as artérias e veias de meu corpo. A raiva se transmite novamente ao cinzel e ao martelo, ao grito do homem e novamente o bem estar toma conta de minha mente.
Tanta dor e sofrimento destroçaram a minha sanidade, seguramente. Você olhe pela janela e vê o céu. Eu não sei se vejo um céu, mas se o céu existe, certamente ele é cor de sangue.
Me afasto um pouco para contemplar a minha criação. Um homem revestido de cera quente, com seus braços e pernas arrancados e colados no chão. Praticamente é apenas um tronco. E o pênis claro, não me esqueci dele. Não quis arrancá-lo também. Nenhuma atitude me pareceu boa o suficiente para expressar meu ódio quanto aquela parte específica do corpo.
Ah! Agora eu sei o que falta!
Me dirigi rapidamente até o armário, peguei ali um bando de sapos que deixei bem guardados e alimentados especialmente para essa ocasião. Depois, peguei um pequeno frasco afrodisíaco. Injeitei o veneno por entre suas veias, vendo com ansiedade o seu falo subir. Artificialmente com toda certeza, mas serviria para meu objetivo. Introduzi seu falo no meu ânus, pensando docemente nos vermes que ali comiam minha carne e em toda dor que eles causariam ao homem.
A seguri, abri a boca do homem e preguei ali dentro o sapo mais venenoso que consegui achar. Brilhante. Minha arte estava quase concluída.
Como da última vez, quase não percebi quando meu dedo puxou o gatilho, levando eu e minha arte para a eternidade.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Cyberpoesia Aplicada

Hoje a pena não mais cria versos,
não mais choraremos, nem lembraremos
das noites em claro em que o verso,
como uma ânsia de vômito nauseabunda
pede ao poeta a pena, assim como a criança
pede ao pai um brinquedo.

Hoje não mais abrirá,
tua porta e nela encontrará
um carteiro vestido de amarelo,
um envelope simpático de algum amigo distante
e os versos dançantes por sua caligrafia feita em instantes.
Mas agora um rato lhe mostrará
o caminho de sua caixa de e-mail
e lá como sempre, o e-mail daquele amigo não tão distante
com as letras padronizadas e digitadas,
os versos dançando e sorrindo.

Embora o verso não mais nasça da tinta,
embora não se formem mais poetas na Torre de Marfim
para que se há o Microsoft Word?
O verso ainda insiste, insiste em querer sair...
Seja pelos dados, seja pela tinta,
seja pelo sangue, seja pela boca
Como uma ânsia, uma ânsia nauseabunda
que sempre há de lhe tirar o sono
E nem mesmo em seu túmulo cibernético
Há de te abandonar,
pois o verso nasceu para sempre atormentar.